Nos
últimos anos, a alopecia frontal fibrosante (AFF) tem sido uma das
condições capilares mais discutidas no universo da dermatologia. Trata-se de um
tipo de alopecia cicatricial, crônica e progressiva, marcada por uma inflamação
silenciosa e persistente nos folículos pilosos da linha frontal do couro
cabeludo, que acaba levando à perda definitiva dos fios e substituição por
tecido fibroso. A incidência crescente — especialmente em mulheres após a
menopausa — levantou um sinal de alerta: existiriam fatores ambientais,
antes despercebidos, contribuindo para o aumento dos casos?
Entre as
possibilidades levantadas, uma das que mais dividem opiniões é a possível
conexão entre o uso de protetores solares e o desenvolvimento da AFF. Essa
hipótese, inicialmente tratada com ceticismo, passou a ganhar atenção após
estudos observacionais apontarem que pacientes diagnosticadas com AFF
apresentavam, em média, uso mais frequente de filtros solares do que os
grupos de controle.
Hipóteses sob investigação: coincidência ou gatilho
ambiental?
Diversos
mecanismos têm sido propostos para justificar uma relação entre os
fotoprotetores e a AFF. Um dos mais debatidos envolve a presença de nanopartículas
de dióxido de titânio (TiO₂) — comuns em filtros físicos — que poderiam, em
teoria, penetrar no canal folicular e desencadear uma resposta inflamatória
de padrão autoimune. A ideia se apoia em achados de resíduos de titânio nos
cabelos de algumas pacientes afetadas, embora ainda não se saiba se esses
resíduos são causa, consequência ou apenas coincidência.
Outra hipótese levantada é a possível ação disruptora endócrina de certos filtros químicos, embora, até o momento, não haja comprovação sólida de que esses ingredientes alterem significativamente o sistema hormonal humano. Também se especula que a fotoproteção possa interferir na função imunomoduladora natural da radiação ultravioleta, bloqueando um fator de controle e, com isso, favorecendo a persistência de processos inflamatórios preexistentes.
Correlação não é causalidade: o papel do viés e da
precaução
Uma
revisão sistemática conduzida por Robinson et al. (2019) avaliou
criticamente os dados disponíveis até então e trouxe importantes ponderações.
Embora existam estudos que mostrem uma associação estatística entre AFF e uso
de fotoprotetores, essa correlação não pode ser interpretada como uma
relação causal direta.
É
possível — e até provável — que o uso mais frequente de protetor solar entre
pacientes com AFF esteja relacionado ao maior cuidado com o envelhecimento
da pele, e não a um fator causal da doença. Além disso, outros agentes
ambientais também têm sido implicados, como determinados cosméticos e
poluentes, o que dificulta isolar a ação de um único elemento.
Outro
ponto crítico levantado na revisão foi o viés de recordação presente em
muitos dos estudos retrospectivos — ou seja, a memória dos participantes sobre
seu uso passado de protetores pode ser imprecisa ou influenciada pelo próprio
diagnóstico. Soma-se a isso a ausência de uma sequência temporal claramente
estabelecida entre o início do uso dos produtos e o surgimento dos
sintomas.
Até onde a ciência chegou — e onde ainda precisa
avançar
Apesar
das teorias e das suspeitas, não há até o momento um mecanismo biológico
comprovado que demonstre como os protetores solares poderiam induzir a AFF.
E, diante da fragilidade das evidências disponíveis, o consenso entre os
especialistas é claro: a fotoproteção continua sendo essencial.
Protetores
solares desempenham um papel fundamental na prevenção do câncer de pele, do
fotoenvelhecimento e de diversas outras condições cutâneas. Suspender seu
uso com base em suposições ainda não comprovadas traria mais riscos do que
benefícios.
O que
este debate nos ensina é a importância de abordagens científicas robustas.
Ainda são necessários estudos prospectivos, com controle adequado de variáveis
e investigações mecanísticas detalhadas, para esclarecer se existe, de fato,
uma ligação direta entre a exposição a fotoprotetores e o surgimento da
alopecia frontal fibrosante.
Conclusão: prudência baseada em evidência
Em tempos
em que informações circulam rapidamente, é essencial que pacientes e
profissionais de saúde tomem decisões embasadas na ciência — e não em teorias
incompletas. Manter a fotoproteção diária é uma recomendação que permanece
firme. Ao mesmo tempo, o aumento dos casos de AFF deve continuar sendo
investigado com profundidade, considerando fatores ambientais, genéticos,
imunológicos e hormonais, sem tirar conclusões precipitadas.
Uma análise crítica sobre riscos, hipóteses e evidências.
Por Dr. Jhonatan Neto
Diretor Técnico da Hallon Dermocosméticos
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